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19 de fevereiro de 2010

Era da Logística

  Os estilistas da espanhola Zara, fabricante e rede de varejo de roupas que rapidamente está se tornando uma marca de moda globalizada, descobriram um jeito de lançar coleções numa velocidade maior do que a da maioria de seus concorrentes. Mais da metade da produção da empresa é confeccionada na sede de La Coruña, na Espanha. A fabricação é própria ou fica a cargo de pequenos parceiros instalados nos arredores da unidade. As roupas são feitas em pequenos lotes e distribuídas por caminhão para entrega na Europa ou por avião para as lojas que a rede possui mundo afora, inclusive no Brasil. Ao contratar pequenos fornecedores que atuam vizinhos à fábrica-mãe, a Zara ganhou um tempo precioso -- e tempo é quase tudo numa economia viciada em velocidade. Enquanto uma empresa que produz roupas na Ásia leva até nove meses para colocar um novo modelo nas lojas, a Zara faz isso em pouco mais de um mês. O efeito desse processo é visível. Como a rede evita a produção em massa, a renovação dos modelos é intensa. Para o consumidor, a impressão que fica (uma expressão da verdade, por sinal) é a de uma marca vibrante, com energia suficiente para apresentar novidades não a cada verão ou inverno -- mas sempre. A estratégia só funciona graças à eficiência logística da Zara, que permite que um vestido fabricado em La Coruña apareça poucas semanas depois na vitrine de uma loja como a do MorumbiShopping, na zona sul de São Paulo.


Poucos conceitos são tão mal compreendidos no mundo dos negócios quanto a logística. A experiência da Zara descrita acima poderia ser, para muitos, apenas um exemplo do bom uso de instrumentos de marketing. Também é isso. Mas o coração do sucesso da empresa é sua grande capacidade de despachar seus produtos. Isso envolve fatores como inteligência estratégica, administração da produção, gestão de parceiros e controle de estoques. Ao contrário da visão tradicional, logística é muito, muito mais que o transporte de mercadorias. Sua importância na última década tornou-se tão vital para a produtividade, a eficiência e a rentabilidade dos negócios que logística virou espertamente slogan de uma série de companhias que nada mais fazem que carregar caminhões. Mas, numa simplificação, pode-se dizer que contar com uma boa logística significa colocar o produto no lugar certo, na hora e na quantidade certa, a preços competitivos. "A logística está presente em praticamente todas as atividades empresariais", diz Adalberto Panzan, presidente da Associação Brasileira de Logística (Aslog).

Longe do ideal

A ineficiência no transporte de mercadorias provoca um alto custo para a economia dos países.Veja a distância entre as nações emergentes e desenvolvidas nesse campo

País ou região Custo sobre o PIB

China 21%

Índia 13%

BRASIL 12%

Europa 11%

Estados Unidos 8%

Fontes: Conselho de Profissionais de Gestão de Cadeia de Suprimentos dos Estados Unidos e Centro de Estudos e Logística

do Instituto Coppead de Administração do Rio de Janeiro

Estima-se que os custos logísticos movimentem 3,2 trilhões de dólares ao ano em todo o mundo. Nos últimos anos, a globalização colocou a logística em um novo patamar. Com o aumento brutal da circulação de mercadorias e a pressão incessante por reduzir custos e aumentar as vendas, as empresas voltaram os olhos para a importância de desenvolver uma cadeia de suprimentos eficiente. Isso implica a coordenação das diversas partes envolvidas num processo produtivo -- do fornecedor da matéria-prima aos parceiros responsáveis pelo desenvolvimento do projeto, passando pela operação de frotas de transporte, pelo recebimento de encomendas e até pelo recolhimento de pagamentos. Em certo sentido, é possível comparar os bens que circulam no mundo com a avalanche de informações presentes na internet. Tanto as mercadorias "físicas" como as "virtuais" estão se tornando cada vez mais abrangentes, exigindo das empresas uma rápida adaptação para atender a um mercado em permanente mudança.

Para tornar sua cadeia de suprimentos mais ágil e competitiva e dedicar mais tempo ao próprio negócio, empresas como a Cisco Systems, maior fabricante mundial de equipamentos de rede para internet, terceirizam grande parte de sua produção. Esse processo exige elevado grau de planejamento logístico, já que envolve parceria com dezenas de outras empresas. A própria Cisco admite que a terceirização lhe permitiu crescer mais depressa do que se operasse as próprias unidades de montagem de equipamentos. Na indústria automobilística, com seus centenas de fornecedores, a sofisticação da logística é vital. Em sua fábrica em Bangalore, na Índia, a japonesa Toyota exige que a entrega de peças seja feita just-in-time -- na quantidade necessária e no momento certo. As entregas na fábrica de Bangalore acontecem a cada 2 horas e com um índice de falhas próximo de zero.



No mundo globalizado, as operadoras de transportes expressos estão se tornando gigantes dos negócios, empresas com enorme potencial e com grande capacidade de interferência -- para o bem e para o mal -- no dia-a-dia de seus clientes. Nos Estados Unidos, a UPS, que transporta 14 milhões de pacotes por dia, criou uma facilidade para quem precisa consertar computadores laptop da marca japonesa Toshiba. Quando o laptop chega a um de seus centros de distribuição, é levado para um armazém onde o reparo não é feito pela Toshiba, mas pela própria UPS. Seus técnicos são treinados por profissionais da Toshiba. Mas não deixa de ser surpreendente o fato de que uma empresa de entregas expressas realize reparos em equipamentos eletrônicos. Nesse caso, UPS e Toshiba entraram em acordo para tornar a vida do cliente mais fácil. Por que envolver duas companhias gigantes em um processo que, na prática, poderia ficar sob a responsabilidade de apenas uma delas?

O avanço da internet deu um formidável impulso às empresas de entregas expressas. O comércio eletrônico contribuiu para que a americana FedEx batesse todos os seus recordes de movimentação em dezembro do ano passado, quando foram transportados quase 9 milhões de pacotes em um único dia. E uma nova revolução logística está a caminho. Numa tendência global, o transporte de carga via aérea está ocupando o espaço que historicamente pertenceu a navios, trens e caminhões. Estudo da consultoria McKinsey estima que, em 2020, cerca de 80% de todos os bens que cruzam as fronteiras internacionais serão transportados por aviões, ante os atuais 20%. A projeção é baseada justamente no crescimento exponencial do comércio eletrônico e na importância cada vez menor das fronteiras para o comércio internacional. É nesse cenário que a FedEx está inserida. "Somos muito procurados pelo varejo eletrônico pela confiança gerada pela marca, mas nosso objetivo é ampliar cada vez mais os serviços oferecidos", afirma Carlos Ienne, diretor-geral da FedEx Express para o Mercosul.

Recentemente, uma pesquisa realizada pela FedEx mostrou que, apesar do crescimento de utilização da internet e do e-mail como formas de comunicação, a demanda por documentos em papel não dá sinais de redução. Baseada nisso, a FedEx adquiriu nos Estados Unidos a Kinkos, uma cadeia de lojas especializadas em fazer fotocópias, com 1 300 pontos-de-venda no país. A aquisição permitiu a criação de um novo negócio. Em vez de simplesmente despachar por via área documentos em papel, a FedEx passou a oferecer a seus clientes um serviço de impressão remota. Se, por exemplo, um executivo precisar de pilhas de documentos para fazer uma conferência num lugar distante do seu de origem, basta enviar o material eletronicamente a uma loja da Kinkos e retirá-lo na forma impressa. Não existe palavra mais adequada para definir esse procedimento do que logística.

No Brasil, os serviços logísticos sofrem com os gargalos históricos que impedem que o país cresça no mesmo ritmo de emergentes como a China. Rodovias precárias, linha ferroviária ultrapassada, aeroportos insuficientes, portos defasados são obstáculos à expansão acelerada e à sofisticação do negócio. Mesmo com todas as deficiências estruturais, o setor vem registrando bons índices de crescimento. Em 2005, a logística movimentou aproximadamente 214 bilhões de reais no país, valor que deverá ser 20% maior neste ano. Mas há muito para ser feito, especialmente no desenvolvimento tecnológico. Segundo um estudo da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas, 44% de todas as empresas instaladas no Brasil empregam alguma tecnologia em logística. Nos Estados Unidos, esse percentual é quase duas vezes maior. "Um país só se desenvolve de verdade se concentrar esforços para modernizar suas operações logísticas", diz Panzan, da Aslog. "Sem isso, ficará relegado a um segundo plano no cenário econômico internacional."

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