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19 de fevereiro de 2010

ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA GESTÃO DE ESTOQUES NA CADEIA DE SUPRIMENTOS

Neste artigo são apresentados os principais fatores que estão motivando as cadeias de suprimento a reduzir continuamente seus níveis de estoque: uma maior diversidade no número de produtos e mercados atendidos, o elevado custo de oportunidade de capital e o crescente foco gerencial no controle e redução no grupo de contas pertencentes ao Capital Circulante Líquido. Além disto, é chamada a atenção para o fato de que reduzir os níveis de estoque, sem uma análise preliminar sobre o grau de eficiência do transporte, da armazenagem e do processamento de pedidos, pode gerar um aumento no custo logístico total da operação.



Finalmente se discute como três transformações básicas na cadeia de suprimentos têm permitido às empresas operarem com níveis de estoques cada vez menores: formação de parcerias, surgimento de operadores logísticos e adoção de tecnologias de informação para captura e troca de dados.

Ferramentas Básicas para a Gestão de Estoques

Num mundo ideal, sem incerteza, a taxa de consumo média (D) dos produtos é totalmente previsível dia após dia. Desta forma, pode se saber exatamente quando o nível de estoque chegará a zero, ou seja, o momento do reabastecimento, ou seja, para quando devemos programar a chegada de novos produtos. Basta desdobrar no tempo lead-time de ressuprimento (LT), a partir do momento do reabastecimento, para determinar o momento de pedir o ressuprimento. O Ponto de Pedido (PP) é simplesmente o momento de pedir convertido para o nível de estoque através do produto entre a taxa de consumo média pelo lead-time de ressuprimento (D*LT).



Por outro lado, no mundo real (com incerteza) a taxa de consumo dos produtos não é totalmente previsível, podendo variar consideravelmente ao redor do consumo médio. Além disto, o lead time de ressuprimento também pode variar, ocasionando atrasos na entrega. Para se proteger destes efeitos inesperados, as empresas dimensionam estoques de segurança, em função de uma probabilidade aceitável de falta de produto em estoque.



Outro elemento da dinâmica da gestão de estoques que permanece inalterado, independentemente dos motivadores à redução dos níveis de estoque, é o trade-off de custos existentes entre os estoques e outras funções logísticas.



Imaginemos, por exemplo, um centro de distribuição (CD) que possua demanda anual média de 300 unidades para um determinado produto e consideremos duas políticas alternativas. Na primeira política são enviados 6 carregamentos com 50 unidades ao longo do ano. Na segunda política, as 300 unidades são enviadas de uma só vez. Quais seriam as vantagens e as desvantagens presentes em cada uma das políticas?



Na primeira política, a empresa incorre num menor custo de oportunidade de manter estoques, por operar com um nível médio de apenas 25 unidades. Os gastos com transporte, entretanto, são maiores: a conta frete é maior não apenas devido a um maior número de viagens, como também gasta-se proporcionalmente mais com o transporte por tonelada-quilômetro em função da falta de escala na operação com carregamentos fracionados.



Por outro lado, na segunda política, são maiores os custos de oportunidade de manter estoques (é mantido um nível médio de 150 unidades de produto em estoque) mas, em contrapartida, não apenas a conta frete é menor por ocorrer apenas uma viagem, como também o custo unitário do frete é menor, em virtude de possíveis economias de escala decorrentes do envio de carregamentos consolidados.



O equilíbrio, ou a política de ressuprimento ideal para este CD é atingido quando balanceamos o custo de oportunidade de manter estoques com o custo unitário, neste exemplo em particular, de transporte para o CD.

Conforme podemos perceber, o objetivo das cadeias de suprimento com relação à gestão de estoques deve ser a determinação do tamanho de lote de ressuprimento mais apropriado ao seu nível de eficiência no processo de movimentação de materiais. Neste exemplo, o equilíbrio não se situa nem tanto na remessa parcelada, como nos sugere a política 1, nem tanto na remessa total, como nos sugere a política 2.



Na prática, é muito difícil para as empresas avaliarem adequadamente em que ponto deve se situar a política de estoques. Entretanto, é possível através de geração de cenários e de análises incrementais nos custos de estoques e movimentação de materiais determinar se uma alternativa de operação acarretará um menor custo logístico total.



Desta forma, é possível evitar a percepção de que reduções isoladas nos níveis de estoque, sem serem levados em consideração impactos em outras funções logísticas, como transporte, armazenagem e processamento de pedidos, permitam uma operação de ressuprimento de menor custo total. Na realidade, as empresas devem buscar minimizar o custo logístico total de estoques, de transporte e de processamento de pedidos em função de uma determinada disponibilidade de produto desejada pelo cliente final

Por quê e Como Reduzir os Níveis de Estoque

Cada vez mais as empresas estão buscando garantir disponibilidade de produto ao cliente final com o menor nível de estoque possível. São diversos os fatores que vem determinando este tipo de política, conforme descrição a seguir.

• A diversidade crescente no número de produtos, tornando mais complexa e trabalhosa a contínua gestão dos níveis de estoque, dos pontos de pedido e dos estoques de segurança. Vale exemplificar o caso das cervejarias brasileiras que, em 1985 ofereciam um único sabor (pilsen) numa única embalagem (a garrafa de 600 ml) e atualmente oferecem diversos sabores (bock, draft, light etc) em outros tipos de embalagem (lata, long neck etc).



• O elevado custo de oportunidade de capital, reflexo das proibitivas taxas de juros brasileiras, tem tornado a posse e manutenção de estoques cada vez mais onerosas.



• O foco gerencial na redução do Capital Circulante Líquido, uma das medidas adotadas por diversas empresas que desejam maximizar seus indicadores de Valor Adicionado pelo Mercado.

Por outro lado, diversos fatores têm influenciado a gestão de estoques na cadeia de suprimentos no sentido de aumentar a eficiência com a qual as empresas operam os processos de movimentação de materiais (transporte, armazenagem e processamento de pedidos). Aumentar a eficiência destes processos significa simplesmente deslocar para baixo a curva de custos unitários de movimentação de materiais, permitindo operar com tamanhos de lotes de ressuprimento menores, sem, no entanto, afetar a disponibilidade de produto desejada pelos clientes finais ou incorrer em aumentos nos custos logísticos totais.



Destacamos três fatores que tem contribuído substancialmente para a redução dos custos unitários de movimentação de materiais, sejam nas atividades de transporte, de armazenagem ou de processamento de pedidos:

• formação de parcerias entre empresas na cadeia de suprimentos;

• surgimento de operadores logísticos;

• adoção de novas tecnologias de informação para a captura e troca de dados entre empresas.



A seguir descreveremos o impacto de cada um destes fatores.

Formação de Parcerias entre Empresas na Cadeia de Suprimentos

A formação de parcerias entre empresas na cadeia de suprimentos, fenômeno verificado inicialmente entre montadoras e fornecedores na indústria automobilística japonesa, tem permitido reduções nos custos de compras através da eliminação de diversas atividades que não agregam valor. Como o objetivo final é o ressuprimento just in time de peças e materiais, tarefas como o controle de qualidade no recebimento, licitações e cotações de preços foram praticamente eliminadas na relação comercial entre empresas, através do estabelecimento de parcerias.

Surgimento de Operadores Logísticos

O aparecimento de empresas como a TNT, FedEx, Ryder e diversas outras, que vêm assumindo um destaque cada vez maior na cadeia de suprimentos, oferece a possibilidade para redução nos custos unitários de movimentação de produtos entre empresas. Isto ocorre por que estas empresas possuem know-how, economias de escala e foco em diversas operações logísticas relacionadas com a movimentação de materiais e o transporte. Por exemplo, é bastante comum um operador logístico consolidar carregamentos fracionados de diversas empresas de modo a completar uma carreta, tornando possível a diluição dos custos fixos deste transporte por uma base maior de rateio.

Adoção de Novas Tecnologias de Informação (TIs) para Troca de Dados

Por fim, a adoção de novas TIs como códigos de barra, EDI, automação de PDVs etc trouxe vários benefícios inerentes à captura e disponibilização de informações com maior grau de precisão e pontualidade. Chamamos a atenção em particular para a eliminação dos erros e do retrabalho no processamento de pedidos, fato que reduz substancialmente os custos associados a esta atividade, e para a redução da incerteza com relação à demanda futura, ao serem compartilhados as séries de vendas para o cliente final por todas as empresas na cadeia.

Como a Adoção de TI Pode Contribuir para a Redução dos Estoques de Segurança?

Percebemos que, por um lado, as TIs permitiram reduzir os custos do processamento de pedidos, através da eliminação dos erros resultantes da interferência humana na colocação dos pedidos, viabilizando uma operação de ressuprimento com tamanhos de lotes menores. Por outro lado, a possibilidade de empresas na cadeia trocarem informações tem contribuído para a redução da falta de visibilidade na cadeia de suprimentos sobre a real demanda dos consumidores finais, fator que influencia diretamente a formação dos estoques de segurança.



Conclusões



Este artigo explorou as principais motivações para a redução dos níveis de estoque e as armadilhas presentes na visão tradicional, bem como as transformações na cadeia de suprimentos que estão permitindo as empresas operarem com tamanhos de lotes de ressuprimento cada vez menores.



Especificamente, foi discutido que a redução nos tamanhos de lote de ressuprimento entre empresas não deve ser simplesmente um objetivo isolado de outras funções logísticas, mas sim consequência direta do aumento de eficiência nas atividades de transporte, armazenagem, processamento de pedidos etc. Foi avaliado também o significativo impacto que a troca de informações entre empresas pode exercer no dimensionamento dos estoques de segurança.

Peter Wanke

Doutor em Ciências em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ e visiting scholar do Departamento de Marketing e Logística da Ohio State University. Possui os títulos de Mestre em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ e de Engenheiro de Produção pela Escola de Engenharia da mesma universidade. Professor Associado do Centro de Estudos em Logística do Instituto COPPEAD de Administração da UFRJ e Editor do Informe Logística. É coordenador dos cursos Gestão de Estoque na Cadeia de Suprimento, Gestão de Estoque - Módulo Avançado, Técnicas Quantitativas de Previsão de Vendas, Planejamento de Redes Logísticas e Gestão Integrada de Cadeias de Suprimento. Atua em atividades de ensino, pesquisa e consultoria nas áreas de planejamento da demanda, gestão de estoques em cadeias de suprimento e estratégia logística. Possui mais de 30 artigos publicados em congressos, periódicos e revistas nacionais e internacionais. É um dos organizadores dos livros Logística Empresarial – A Perspectiva Brasileira e Logística e Gerenciamento de Cadeias de Suprimento e autor do livro Gestão de Estoque na Cadeia de Suprimentos - Decisões e Modelos Quantitativos.

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